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População Negra e Insegurança Alimentar




Maria Noelci Homero, Fernanda Souza de Bairros e Regina Miranda*


Por muito tempo as ações e políticas públicas para a melhoria de condição de vida não contemplaram de forma específica a população negra. Após contundentes reivindicações de atores da sociedade civil e do movimento negro, a temática racial passou a ser considerada nas discussões sobre as condições de vida dos diferentes grupos na sociedade brasileira.

Diante disso, salienta-se a importância do fator racial como dado a ser incluído na formulação e execução das políticas públicas, pois muitas vezes as diferenças fenotípicas da raça, como por exemplo, a cor da pele, atuam como indicadores para a distribuição diferencial dos direitos, levando como conseqüência à desigualdade racial.

Alguns dados econômicos e sociais vêm mostrando a desigualdade racial existente no Brasil. De acordo com Henriques (2001), a diferença de escolaridade entre brancos e negros é de 2,3 anos de estudo, e a população branca recebe salários cerca de 2,5 vezes maiores que a população negra. Em relação à qualidade de vida, Bento, referindo-se ao Instituto Interamericano Sindical pela Igualdade Racial (Inspir) diz que 73,1% dos negros vivem em habitações precárias (como barracos, casas de palha ou madeira), contra 25,9% dos brancos na mesma condição. E grande parte destes não tem água canalizada interna, esgoto encanado e energia elétrica.

A situação socioeconômica precária em que vive a população negra é a expressão da violação de diversos enfoques do Direito Humano como o direito à moradia, direito ao meio ambiente sadio, direito à educação e o mais fundamental dos direitos humanos, o direito a uma alimentação adequada, com qualidade e quantidade suficiente, respeitando a diversidade cultural sem comprometer o acesso a outras necessidades básicas.

Segundo pesquisa do IBGE (2004), que utilizou pela primeira vez a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia) na Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD), 13.921.000 pessoas passam fome no Brasil e que dos 52.000.000 de domicílios particulares estimados, em 6,5% deles residem pessoas com insegurança alimentar grave.

A insegurança alimentar é visível e reforça a desigualdade econômica entre raças. No Brasil, 11,5% da população negra vivia em situação de insegurança alimentar grave; entre os brancos o percentual é de 4,1%. Em contrapartida, a população que vivia em domicílios com garantia de acesso aos alimentos em termos qualitativos e quantitativos era 71,9% de brancos e 47,7% de negros.

É importante salientar que as diferenças na proporção de insegurança alimentar grave de acordo com a raça (os que realmente passavam fome) se reproduziram em todos os estados brasileiros, com maior magnitude nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste.

Somos o segundo maior país em população negra, a 8ª economia do mundo, o segundo maior produtor de alimentos, um dos maiores exportadores de alimentos e, contraditoriamente, só perdemos em concentração de renda para Serra Leoa. Somos um parque de contradições, onde convivem o melhor bioma para a qualidade de vida humana, a melhor oferta natural de alimentos e água pura, 30% das espécies vivas do planeta estão em nosso território e não conseguimos transformar essas riquezas em qualidade de vida para todos, coabitamos com pessoas em situação de extrema insegurança alimentar entre as quais as populações negras são a maioria.

Ainda cabe-nos superar as grandes desigualdades entre populações negras e brancas, resgate desta dívida histórica que o Brasil tem com o povo negro, pois foi às custas de seu suor e de seu sangue que conquistou destaque na economia mundial. Cumpre-nos editar um novo modelo soberano de desenvolvimento pautado na qualidade de vida das pessoas e dos grupos sociais, focado na reparação das diferenças históricas, seja investidor social, seja fortalecedor da economia interna, seja preservador e recuperador das riquezas naturais.

Repensar um modelo para além do conceito exportador, enriquecedor de poucos e gerador de miséria, achatador dos investimentos sociais e devastador de bens naturais não renováveis e ao mesmo tempo endividante. É inadmissível aceitar que em pleno século 21, milhões de pessoas passem fome, pois essa é a manifestação mais extrema da pobreza e da privação humana. Para Henriques (2001), a pobreza brasileira tem estreita relação com a desigualdade na distribuição de recursos, e não na escassez. Isso significa dizer que o Brasil, tanto em termos absolutos como em relação aos diversos países do mundo, não pode ser considerado um país pobre, mas, sem dúvida alguma, deve ser considerado um país extremamente injusto.

Com isso, nascer negro ou negra está diretamente relacionado à possibilidade de estar vinculado à pobreza, pois a população negra concentra-se nos piores indicadores econômicos. Esta realidade vem demonstrando a ausência de ações mais efetivas no que se refere à população negra. Isso não significa que não haja ações que a contemplem, mas as políticas universais não têm conseguido diminuir as diferenças étnico raciais entre as populações mais pobres.

É preciso que as políticas sejam direcionadas e específicas e que contemplem efetivamente a redução das desigualdades raciais. A fim de reduzir essas desigualdades e assegurar à população negra o Direito Humano à Alimentação Adequada, a Comissão de Políticas para Segurança Alimentar e Nutricional das Populações Negras, do Conselho Nacional de Segurança alimentar e Nutricional (Consea), órgão de assessoramento da Presidência da República, apresenta em seus objetivos a incorporação da temática racial à construção da Política de Segurança Alimentar e Nutricional; a potencialização e divulgação de ações já desenvolvidas junto à população negra nesta área; o fortalecimento da produção e comercialização de alimentos por populações remanescentes de quilombos e o aproveitamento da capilaridade das comunidades religiosas de matriz africana.

Entre os 13 pontos do plano de ação desta comissão está a construção de um sistema integrado e diversificado de informações de indicadores sobre (in)segurança alimentar e nutricional, capaz de monitorar a situação da população negra no país, respeitando e envolvendo comunidades e grupos específicos e viabilizar junto aos órgãos competentes assistência técnica e financiamento aos empreendimentos da economia solidária que atendam às vocações regionais e étnico-raciais, pautada na promoção do desenvolvimento local sustentável, de forma a garantir a preservação das culturas tradicionais.


* Maria Noelci Homero, bibliotecária; Fernanda Souza de Bairros, nutricionista, mestre em Saúde Coletiva; Regina Miranda, nutricionista, conselheira do Consea e presidente do Consea-RS.
Fonte: Ascom/Consea

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