NOTA DE REPÚDIO DO CONSEA-MG À PARCERIA DO MDS COM AS EMPRESAS COCA-COLA E ARCOS DOURADOS / MC DONALD’S NO ÂMBITO DO SISAN E DAS COZINHAS SOLIDÁRIAS
O Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais, no uso das suas atribuições dispostas na Lei Estadual nº 22.806 de 2017 vem a público apresentar nota que manifesta veemente repúdio às recentes parcerias firmadas pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) com as empresas Coca‑Cola® e Arcos Dorados, operadora da rede de fast-food McDonald’s, visando ao fomento das Cozinhas Solidárias. Tal aliança, que se apresenta como uma iniciativa de inclusão socioeconômica, geração de emprego e combate à fome, revela, na prática, escancarado conflitos de interesse incompatíveis com os princípios e as diretrizes das políticas e dispositivos legais da segurança alimentar e nutricional.
CONSIDERANDO:
1. Que o Protocolo de Intenções nº 32/2024, celebrado entre o MDS e a Coca‑Cola®, prevê a implementação de ações de capacitação, inclusão social e ampliação da rede de equipamentos de segurança alimentar, dentre eles as cozinhas solidárias;
2. Que, paralelamente, a recente aproximação com a Arcos Dorados, operadora da rede de fast-food McDonald’s evidencia a estratégia de integração de respostas do MDS com atores privados que, por sua natureza e histórico, produzem e comercializam produtos ultraprocessados e práticas que não se coadunam com a promoção da saúde;
3. Que os dados e argumentos expostos no documento de Recomendação nº 25/2024 do CONSEA Nacional – demonstram de forma inequívoca que a parceria com corporações cuja missão é maximizar lucros, impõe riscos reais à saúde da população, contribuindo para o aumento das taxas de obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e outros agravos relacionados ao consumo de ultraprocessados;
4. Que a associação de recursos e ações governamentais à imagem de marcas como Coca‑Cola® e McDonald’s configura, além de conflito de interesses, uma clara estratégia de socialwashing, a qual visa mascarar os reais impactos negativos dessas corporações sobre a saúde e o meio ambiente;
5. Que as diretrizes do Guia Alimentar para a População Brasileira e os princípios do Direito Humano à Alimentação Adequada orientam a priorização da comida de verdade, com base em alimentos in natura ou minimamente processados, produzidos à base agroecológica, em total oposição à lógica comercial das empresas envolvidas.
6. Que a ausência de mecanismos robustos para identificação, prevenção e gerenciamento e mitigação de conflitos de interesse, na condução deste acordo demonstra a fragilidade dos processos de transparência e participação popular, essenciais à construção de políticas públicas democráticas e efetivas.
REPÚDIO:
I. Repudiamos, de forma categórica, a aproximação do MDS com empresas que, por meio de suas atividades e produtos, contribuem para o agravamento dos problemas de saúde pública – sendo a Coca‑Cola® e o McDonald’s, símbolo de um modelo alimentar hegemônico incompatível com as diretrizes de uma alimentação saudável.
II. Repudiamos a instrumentalização de políticas de inclusão social e geração de emprego que fortalecem interesses mercadológicos que, em última instância, privilegiam o lucro em detrimento do bem-estar e da saúde da população, sobretudo das comunidades mais vulneráveis.
III. Repudiamos a utilização de estratégias de socialwashing, que, ao associar o nome do Estado, por meio do Programa Cozinhas Solidárias, procuram mascarar as externalidades negativas à saúde e ao meio ambiente advindos do incentivo ao consumo de produtos ultraprocessados.
IV. Repudiamos a falta de transparência e a ausência de mecanismos de participação social no processo de formulação e implementação destes acordos, o que contraria os princípios da democracia participativa e impede o controle social efetivo sobre as políticas públicas de segurança alimentar e nutricional.
V. Repudiamos o claro conflito de interesses gerado por parcerias que ignoram as diretrizes estabelecidos nos marcos normativos, tais como o Guia Alimentar para a População Brasileira, Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN) e a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, os quais orientam a promoção de práticas alimentares saudáveis e sustentáveis a proteção do direito à alimentação adequada.
Em Minas Gerais, o histórico de empresas como as subsidiárias em engarrafamento e distribuição dos produtos Coca-Cola Company, são reconhecidas também por graves danos ambientais e monopólio da água, assim como a empresa Arcos Dourados está distante do projeto vinculado a alimentação enquanto um direito, tratando a sua força de trabalho e “consumidores” como grande negócio.
Essa condição, que naturaliza a partir de uma ótica falseada a alimentação e a nutrição, promovida por estas grandes corporações estão distantes da realidade proposta pelas Cozinhas Solidárias, que em especial, no período de pandemia provocado pelo COVID-19, foram fundamentais na democratização e acesso a alimentação para a população brasileira mais pobre no campo e especialmente nas cidades.
Diante dos pontos expostos, o CONSEA MG repudia veementemente as parcerias do MDS com a Coca‑Cola® e com o McDonald’s no âmbito do Programa Cozinhas Solidárias, por representar uma distorção dos objetivos das políticas públicas de segurança alimentar e nutricional, além de evidenciar graves conflitos de interesse, que mascaram interesses corporativos em detrimento da saúde e da dignidade dos cidadãos.
RECOMENDAÇÕES
É imperativo que o MDS reavalie, com urgência, os termos deste acordo, promovendo a revisão dos mecanismos de transparência, participação e controle social, de modo a assegurar que as ações de combate à fome e de promoção da alimentação saudável não sejam comprometidas por interesses privados que contrariam os fundamentos dos direitos humanos e das políticas de saúde pública.
O CONSEA MG, em consonância com a Recomendação nº 25/2024/CONSEA, recomenda que o MDS utilize a ferramenta “Prevenção e gestão de conflitos de interesse em programas de nutrição no âmbito nacional” da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) cujo processo de formulação contou com a participação do governo brasileiro, como base para a tomada de decisão referente à identificação, prevenção, mitigação e gerenciamento de conflitos de interesse, considerando-se a possibilidade de descontinuação do acordo de cooperação;
Ainda, recomenda a CAISANS MG, que crie uma normativa para a regulamentação da interação entre o governo e atores não estatais e a identificação, prevenção, mitigação e gerenciamento de conflitos de interesse no âmbito do SISAN.
Afirmamos que Minas Gerais tem um importante histórico de lutas no campo da alimentação e nutrição, enquanto um direito humano e o território do Estado é composto por biomas e possibilidades diversas que garantem à agricultura familiar cenários importantes para a garantia deste direito humano, incompatíveis pela lógica que alimentação ou é um negócio ou uma caridade.
Assinado,
CONSELHO ESTADUAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL SUSTENTÁVEL – CONSEA MG DOCUMENTO
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