Ter uma rotina corrida ou não saber cozinhar não serão mais desculpas
para quem descuida da alimentação e sucumbe à tentação dos produtos
industrializados – facilitadores do dia a dia, mas vilões das dietas
equilibradas. Essa é a proposta do novo Guia Alimentar para a População
Brasileira, do Ministério da Saúde, que será lançado em Minas Gerais na
próxima terça-feira, no campus da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG).
A publicação é uma revisão do guia anterior, de 2006. No novo material,
elaborado com o auxílio de três professores da instituição mineira, a
linguagem foi simplificada para facilitar a compreensão da população, ao
contrário da edição anterior, direcionada aos profissionais da saúde.
“Esse guia vai ser menos prescritivo, com orientações gerais. Não vai
ter aquela coisa de ‘consuma tantas porções, faça isso, não faça
aquilo’, que são conceitos muito abstratos”, diz a professora do
Departamento de Nutrição da UFMG Aline Cristine Souza Lopes,
participante de uma das oficinas de avaliação da revisão do novo Guia
Alimentar.
Segundo ela, a publicação é norteada por uma dica básica, porém,
fundamental. “Consuma mais alimentos in natura nas preparações
culinárias e evite refeições prontas para consumo e alimentos
processados. Essa é a regra de ouro, uma espécie de síntese da mensagem
principal”, frisa.
Atenção básica
Além de considerar o atual estilo de vida e os novos hábitos
alimentares dos brasileiros – inclusive, os menos saudáveis –, o novo
guia leva em consideração as pesquisas de orçamento das famílias,
identificando os principais obstáculos para o consumo de refeições
balanceadas e apontando soluções para elas, na tentativa de enfraquecer
as desculpas comumente usadas por quem se alimenta mal.
Dessa forma, a meta do Ministério da Saúde é atingir o maior número
possível de pessoas e sensibilizá-las em relação à prevenção de doenças
crônicas provocadas pela má alimentação, como as cardiovasculares,
diabetes, hipertensão, obesidade e até câncer.
“Os alimentos processados são ricos em açúcares, gorduras e sal,
aditivos que prejudicam nossa saúde. Pesquisas mostram que, cada vez
mais, estamos nos tornando sedentários, consumindo muitas calorias e
desenvolvendo chances de adoecermos. Paralelamente a isso, a expectativa
de vida está aumentando, o que nos dá mais chances de manifestar
doenças. Da década de 1970 para cá, notamos claramente essas mudanças”,
avalia Aline.
Teste de resistência
Para a endocrinologista Ana Lúcia Cândido, esse quadro é inaceitável,
considerando o volume de informação disponível à população e os
constantes alertas divulgados sobre os riscos inerentes à alimentação
pobre em nutrientes.
“Mas, para reverter essa situação, as pessoas têm que querer,
programar. Não é apenas uma questão de peso, é de saúde. E é preciso
aliar o consumo de alimentos saudáveis à prática de atividades físicas”,
ressalta Ana Lúcia.
É o que tenta fazer o gerente comercial Paulo Souza, de 45 anos, mas
nem sempre com sucesso. “Corro três vezes por semana e tento associar
essa prática a refeições balanceadas, mas acontece de o cansaço
atrapalhar de eu ver meu filho comendo besteiras e não resistir. Nessas
situações, acabo me descuidando. Ir a restaurantes também é uma prova,
porque comemos com os olhos”.
Opções variadas de comida desafiam a manutenção de uma dieta equilibrada
No dia a dia da especialista de projetos tributários Míriam Garcia
Lara, de 40 anos, manter o foco na alimentação balanceada nem sempre é
possível. Diante das tentações, ela confessa que, não raramente, se
deixa levar pela vontade e abre mão do equilíbrio.
“Mas eu tento compensar, pelo menos. Se exagero em um dia, diminuo o
prato no dia seguinte. Ter muitas e boas opções de saladas fora de casa
facilita, nesses casos. Então, fico me policiando”, revela.
Ao contrário do que propõe o novo Guia Alimentar para a População
Brasileira, que pretende derrubar as desculpas apresentadas por quem
“enfia o pé na jaca”, Míriam acredita que a rotina agitada interfira,
sim, na manutenção da dieta.
“A vida corrida atrapalha, com certeza. Por outro lado, como sei
cozinhar, consigo pensar em combinações saudáveis quando como em casa.
Isso ajuda. Vejo pelo meu marido, que não sabe fazer nada e fica só
abrindo embalagens”, diverte-se a especialista de projetos tributários,
referindo-se à adesão do parceiro aos alimentos industrializados,
condenados pelo Ministério da Saúde e por profissionais da área.
Contraponto
Mas, se para Míriam as opções de verduras e legumes dos restaurantes
são um incentivo, para o analista de sistemas João Helder, de 29 anos,
massas e carnes são as concorrentes desleais. É que diante de cardápios
tão variados – e suculentos – não sobra espaço para as refeições
saudáveis no prato dele.
“Só o suco natural é que salva. Fico muito tentado com tanta variedade de comida gostosa e acabo sucumbindo a elas”, admite.
Segundo o analista, é mais fácil manter o controle em casa, com
cardápios simples. “Só que eu almoço em restaurantes de segunda a
sexta-feira, e, aí, é só besteira, para variar. Não me controlo”,
afirma.
Participação da sociedade na elaboração do guia
O processo de elaboração do novo Guia Alimentar para a População
Brasileira teve início em 2011. Para chegar ao material atual, foram
realizadas oficinas regionais e nacionais com pesquisadores,
profissionais da saúde, educadores e representantes de organizações da
sociedade civil de todas as partes do país.
A conclusão ainda envolveu consulta pública com 436 participantes,
entre instituições de ensino, órgãos públicos, conselhos e associações
profissionais, setor privado e pessoas físicas. O resultado foram mais
de 3 mil comentários e sugestões à nova versão.
O novo guia impresso possui 151 páginas ilustradas e será distribuído
às unidades de saúde de todo o país. A versão digital está disponível no
portal do Ministério da Saúde (saude.gov.br).
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