Pular para o conteúdo principal

Brasil joga no lixo 26,3 milhões de toneladas de alimentos por ano

Essa quantidade saciaria 13 milhões de famintos e poderia reduzir a inflação

Diego Amorim - Correio Braziliense
Carolina Mansur
Publicação: 26/08/2013 

Nas centrais de abastecimento o desperdício de hortaliças é visível. Há casos em que 40% da produção ficam no caminho entre as fazendas e os supermercados


Brasília e Belo Horizonte – O Brasil esbanja recursos naturais. De tudo se perde. A cada ano, 26,3 milhões de toneladas de comida são jogados fora: volume suficiente para distribuir 131,5kg para cada brasileiro ou 3,76kg para cada habitante do planeta. Toda essa comida alimentaria facilmente os 13 milhões de brasileiros que ainda passam fome, nas contas da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Poderia ainda facilitar o trabalho do Banco Central no combate à inflação. Com uma oferta maior de produtos, os preços não subiriam tanto e o país poderia até mesmo diminuir a importação de feijão preto da China.

O desperdício de comida provoca mais do que prejuízos financeiros, gera revolta e inconformismo. Ainda assim, o Brasil pouco se mobiliza no sentido de mudar esse quadro. Desde 1998, a chamada Lei do Bom Samaritano, em alusão a uma passagem bíblica, tramita no Congresso Nacional, e não há previsão alguma para que seja votada. A intenção da proposta é isentar doadores de alimentos de responsabilidade civil e penal, se agirem de boa fé, na distribuição de comida — semelhante ao que ocorre em países da Europa e nos Estados Unidos.

Enquanto essa lei não é aprovada, o Estado brasileiro pune severamente os doadores. A legislação atual prevê até cinco anos de prisão caso quem receba os alimentos sofra algum tipo de dano em decorrência da comida. Com isso, donos de restaurantes, por exemplo, se sentem obrigados a despejar no lixo as sobras diárias da produção. “É um crime”, define o diretor-executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Gustavo Timo.

O ajuste na legislação, segundo Timo, poderia ajudar e muito o Brasil a conter o desperdício. “A regra em vigor é completamente inapropriada. Por parte do setor, não falta boa vontade”, insiste o representante da Abrasel, ressaltando que em outros países existem programas organizados de doações, para evitar que toneladas de comida em bom estado acabem no lixo.

Entraves


Combater a assombrosa perda de alimentos, no entanto, é muito mais complexo. O pesquisador Antônio Gomes, do Centro de Agroindústria de Alimentos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), enumera outros entraves, como o manuseio inapropriado dos produtos no campo, as embalagens inadequadas utilizadas no transporte e o armazenamento ineficaz no atacado.

Aprimorar o escoamento da produção agrícola, sustenta Gomes, aumentaria a oferta de alimentos sem a necessidade de alterar a área plantada. Em determinados casos, como o da banana e o do morango, o desperdício no caminho entre a propriedade e a prateleira do supermercado chega a 40%. “Quem arca com esse prejuízo é o consumidor”, lembra o pesquisador da Embrapa, ao explicar que no fim das contas o produto que se perdeu no caminho se converte em aumento de preço.
O desperdício de que fala Gomes é facilmente percebido nas centrais de abastecimento. Por dia, os irmãos Berlândio e Ernandes da Silva jogam no lixo de 50 a 60 caixas de alimentos que, na avaliação deles, não poderiam ser aproveitados. “Às vezes, a comida já chega estragada. Ou então com uma aparência que a gente sabe que a dona de casa não vai comprar”, diz Ernandes.

VIDA REAL
São muitos os brasileiros que diariamente ficam de prontidão nas Ceasas espalhadas pelo país, enquanto funcionários separam as frutas e verduras aceitáveis pelo mercado. “A gente fica sentido, porque, mesmo assim, a perda é muito grande. Tanta gente passando fome e nós aqui jogando essa comida no lixo”, desabafa Berlândio.
Desde que contraiu uma trombose na perna e perdeu o emprego de auxiliar de serviços gerais, Cilene de Sousa Rodrigues, de 47 anos, vai à Ceasa de Brasília duas vezes por semana garantir os alimentos da casa, onde vive com seis pessoas. “Isso aqui é ouro”, afirma ela, segurando uma maçã retirada de uma caçamba de lixo. “Amanhã é dia de verdura”, avisava ela.

Todos os dias milhares de pessoas também desperdiçam comida nos restaurantes. Além de não consumirem tudo o que foi produzido pelos estabelecimentos, deixam comida no prato. No restaurante self-service João Rosa, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, onde cerca de 350 refeições são servidas por dia – uma média de 120 quilos de comida –, a perda chega a ser de 16% do total produzido, cerca de 20 quilos por dia. Em dinheiro, o prejuízo diário varia entre R$ 600 e R$ 800. No mês, considerando 20 dias úteis, pode chegar a R$ 16 mil.

Além da comida que sobra no bufê e vai para o lixo, em função das normas da vigilância sanitária que não permitem o reaproveitamento, a sócia-proprietária Catarina das Graças Artur, conta que parte do seu faturamento também vai embora com aqueles que colocam a comida no prato, mas não comem. “Cerca de 30% não consomem tudo o que servem”, afirma.

Perdas de dinheiro e h
oras no trânsito

O brasileiro tem demorado cada vez mais para chegar ao trabalho. O desperdício de tempo no trânsito, sobretudo nas metrópoles, pode superar uma hora a depender do trecho percorrido. Estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em parceira com a Universidade de Oxford, mostra que a mobilidade urbana pune principalmente os habitantes das cidades mais populosas, onde a renda per capita é maior e a proporção de pessoas com carro também. Nos últimos 20 anos, o tempo gasto no trajeto aumentou 4,5% no Brasil. Esse percentual cresceu ainda mais em Brasília e em Belo Horizonte, onde as taxas foram de 6,2% e 6,5%, respectivamente.

A pesquisa mostra que, em áreas metropolitanas, o deslocamento do brasileiro até o trabalho saltou de 36 minutos, em 1992, para 38 minutos. Em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, passou de 38 minutos para 43, em média. No Distrito Federal, o tempo saiu de 33 minutos para 35 em cada deslocamento, enquanto em Belo Horizonte variou de 32 para 34 minutos.

Prejuízo diário com o que é desperdiçado no self-service de Catarina Artur passa de R$ 600
Transformando tempo em dinheiro, a estimativa é que, ao passar 38 minutos no trânsito, o brasileiro deixe de receber R$ 6,65, o equivalente a pouco mais de meia hora de trabalho. O cálculo considera rendimento médio real, de R$ 1.848,40, divulgado pela Pesquisa Mensal de Emprego de julho, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse valor é dividido pelas 176 horas trabalhadas no mês (44 semanais, segundo a CLT), que resulta na hora de trabalho em R$ 10,50.

O técnico do Ipea responsável pela pesquisa, Rafael Henrique Moraes Pereira, destaca que o tempo de deslocamento nas áreas metropolitanas do Brasil aumentou 4% para os mais pobres e 15% para os mais ricos. A pesquisa revela que com o passar dos anos, os brasileiros de maior renda aumentaram o tempo que ficam no trânsito. Até 1992, o deslocamento dessa parcela da população era nove minutos menor que o registrado pela fatia de baixa renda. Essa diferença, agora, caiu para seis minutos. “Muitas cidades estão se espraiando, o que aumenta as distâncias para todos. No caso dos ricos, os condomínios estão ficando mais distantes”, explica.

Na pesquisa, Pereira ressalta ainda a importância de investimentos em transporte urbano. Curitiba e Porto Alegre, que nos anos 1990 investiram na área, praticamente mantiveram o tempo médio de viagem dos habitantes. “Não existe saída se não repensarmos o transporte público. É praticamente impossível enxergar uma taxa de mobilidade saudável nas grandes cidades em função da pouca oferta de transporte”, comenta.


Rafaela e o marido, Hélcio Lemos, perdem quase duas horas no trânsito: melhor carro que metrô
Cansados de acordar até três horas antes do expediente e ainda enfrentar filas intermináveis na estação do metrô, o representante comercial Hélcio Lemos e a esposa, a publicitária Rafaela Cristine Lemos, optaram por fazer o trajeto de casa para o trabalho de carro. Para isso, perdem quase duas horas no trânsito. “De metrô e ônibus é ainda pior porque estão sempre cheios e perdemos muito tempo esperando um veículo mais vazio”, conta Hélcio. “No fim do trajeto, já estamos bem cansados e perdemos um pouco da produtividade no trabalho, sem contar o estresse”, completa Rafaela. A vontade do casal é transformar o tempo perdido em atividades ou em mais tempo para dormir, mas o que acontece é o inverso. “Acabamos trabalhando mais para não pegar o horário de rush, ficamos mais tempo no trabalho”, lamenta Hélcio. (CM)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

INSTITUCIONAL

O que é segurança alimentar e nutricional sustentável? A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas, alimentares promotoras da saúde que respeitem a diversidade cultural e que seja ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentável. Criação Criado em 1999 pelo Decreto n° 40.324 do Governador do Estado, o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais - CONSEA-MG é um órgão colegiado de interação do Governo do Estado com a Sociedade Civil, vinculado ao Gabinete do Governador. Seu objetivo é deliberar, propor e monitorar ações e políticas de segurança alimentar e nutricional sustentável no âmbito do Estado de Minas Gerais. Breve Histórico No ano de 2001 elaborou-se o Plano Estadual Dignidade e Vida e se deu a realização da 1ª Conferência Estadual de Seguranç

PROCESSO DE SELEÇÃO BIÊNIO 2023-2024 CONSEA-MG

A Comissão de Seleção do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas  Gerais - Consea-MG, responsável pelo processo de escolha das Entidades, Organizações Civis e Coletivos  da sociedade civil, na forma da Lei 22.806/2017, do Decreto nº 47.502/2018 e da Resolução nº  001/2022, torna público o presente Edital que trata do processo de seleção e renovação da composição  do Consea-MG para o biênio 2023-2024.  Ficam abertas as inscrições de Entidades, Organizações Civis ou Coletivos da sociedade civil para  seleção de representação para o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas  Gerais (Consea MG), para ocupar 26 (vinte e seis) vagas de membros titulares e 26 (vinte e seis) vagas  de membros suplentes para o Biênio 2023-2024, sendo:  17 (dezessete) vagas de membros titulares e 17 (dezessete) vagas de suplentes destinadas às  entidades, organizações civis e coletivos de abrangência regional, circunscritas à territorialidade,  conforme art.17

Reforma administrativa de Zema ameaça funcionamento do Consea MG

Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais se posiciona contra mudanças propostas no Projeto de Lei 358/2023, enviado pelo governador à Assembleia Legislativa de Minas Gerais. No dia 10 de março, o CONSEA MG (Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais) foi surpreendido com a notícia do Projeto de Lei nº 358/2023, encaminhado à Assembleia Legislativa de Minas Gerais pelo governador Romeu Zema, que trata da reforma administrativa, a qual prevê a saída do Conselho da SEDESE (Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social) para a SEAPA (Secretaria de Estado de Agricultura e Pecuária). Destacamos que não houve uma consulta ou um comunicado oficial ao CONSEA MG referente ao objeto do referido Projeto de Lei.  Diante da atual situação, o CONSEA MG se reuniu em plenária geral, nos dias 21 e 22 de março de 2023, em Belo Horizonte-MG, com presença de todos os membros da sociedade civil, colocando o assunto em pauta e