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Entrevista concedida à Cáritas Brasileira durante a XIX Assembleia Nacional da Rede Cáritas, realizada em Brasília, de 17 a 20 de outubro




1- O senhor afirmou na abertura da XIX Assembleia Nacional da Caritas Brasileira que a falta de alimento é fruto do modelo de desenvolvimento. Como se processa essa relação?
Garantir o alimento é a razão primeira de agrupamento de insetos e de animais racionais ou não. Em nosso DNA podem ser encontrados registros das agruras da vida nômade em constante busca por alimentos. 
Em qualquer época quem mais sofre a insegurança alimentar é a mãe.  Por essa razão, a mulher, com intuição e inteligência, coloca a semente no canteiro, desencadeando um processo de desenvolvimento através de plantio, colheita, armazenamento, processamento e preparo dos alimentos. As mulheres tornam-se as mães da agricultura e da segurança alimentar, superando a necessidade de vida nômade. A partir de sua descoberta, surgem a tecnologia e a ciência, a arte que se expressa em danças e cantos. 
Considerando os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio, a segurança alimentar e nutricional é uma questão de gênero; bem como determinante para os demais objetivos, pois sem alimentos saudáveis e adequados não são atingidas as outras metas relacionadas à saúde, educação, mortalidade infantil, etc. 
O papa Paulo VI, na Encíclica sobre o Desenvolvimento dos Povos, adverte que mais alimento na mesa do povo e consequente distribuição dos bens, deve ser a primeira diretriz para a escolha de um modelo de desenvolvimento.  Assim, também, foram as conclusões da primeira conferência de segurança alimentar da Nação Brasileira em julho de 1994. 
Não sem razão o Movimento pela Ética na Política, em 1992, afirmara que a maior corrupção é nosso país, situado entre as maiores economias do mundo, convivendo com exclusão social, miséria e o povo sofrendo os males da fome. Ordem e Progresso, entre nós, tem sido cassação da cidadania, degradação ambiental, concentração de riqueza, geração de miséria e dos males da fome.
A Ação da Cidadania foi apontada como caminho para gestar um novo modelo de desenvolvimento a serviço de uma sociedade justa, fraterna e solidária. Aprendi com o Papa João Paulo II, em sua inúmeras alocuções e mensagens, que somente uma articulação entre família, sociedade com todas as instituições  e governos, em todos os níveis e expressões, pode garantir a segurança alimentar e nutricional da família humana.

2- A falta de alimento também estaria relacionada com a má distribuição e concentração de alimentos. Como garantir uma distribuição que assegure comida para todos?
Enquanto houver mercantilização dos alimentos vai haver degradação ambiental (graças à monocultura e consequente empobrecimento nutricional) , produção e distribuição de alimentos caros e nocivos à saúde humana, miséria e fome na face da terra. 
À luz do binômio indissolúvel Educação e Nutrição, aplicando-se com rigor e grandeza a Lei Federal 11.947/09, sobre alimentação escolar, ampliada para 365 dias, a partir das micro bacias, podemos planejar de forma solidária o desenvolvimento do Brasil de baixo para cima, para que nosso povo seja saudável, inteligente, criativo e bem humorado. Cultivar, Nutrir e Educar, eis o caminho!
A atual regulamentação da lei é medíocre e rotineira, não contemplando a grandeza da própria lei que embora mutilada é revolucionária, pois afirma o direito do ser humano ao alimento saudável e adequado, produzido pela agricultura familiar do município e região, dentro do processo de relações que caracteriza a educação em que a pessoa é sujeito de seu próprio desenvolvimento.
Observo que as cidades podem e devem ser também grandes produtoras de alimentos saudáveis, adequados e solidários, nas casas e em terrenos baldios, através de hortas familiares e comunitárias, inclusive nas varandas e telhados. Urgente uma lei federal que defina, incentive e garanta a agricultura urbana.


3- Qual a importância do papel da igreja e da sociedade civil para lutar contra a riqueza?
Considerando a CARITAS como agência articuladora da ação social da Igreja em nível diocesano, regional, nacional e internacional, cabe à coordenação pastoral da Igreja, em todos os seus níveis, a responsabilidade pela efetiva participação da Igreja no engajamento pela superação da miséria e dos males da fome em nosso tempo. 
Na Encíclica Caridade na Verdade (n.27), Benedito XVI afirma que não devemos tratar como questão de caridade o que é um direito; mais, ainda, que a participação no empenho por mundo livre da miséria e da fome contribui para a preservação do planeta e a construção da paz.
Cabe à CNBB urgir a Igreja, em cada diocese,  a cumprir o compromisso assumido pelos bispos em assembleia geral, de 10 a 19 de abril 2002, por ocasião de seu Jubileu de Ouro, expresso no documento ( Documentos da CNBB  número 69):  Exigências Evangélicas e Éticas de Superação da Miséria e da Fome.
Considero infeliz, equivocada e em contradição com o espírito do Evangelho, a proposta de combater a pobreza. Devemos combater a riqueza com sua filha primogênita, a miséria. 
Ser pobre é não acumular e nem desperdiçar  o alimento e os recursos indispensáveis para vida saudável e digna. Ser pobre é ter casa, com salubridade e privacidade,  ter assento à mesa e acesso à cidadania sempre mais plena através da educação e da participação.
Oxalá não sejamos como os levitas e sacerdotes que circulam, como baratas tontas, sem entender porque grassam violência no campo e miséria e fome na cidade (Jeremias 14,18). 
Brilhe a nossa luz pela partilha do pão, não só nos templos, mas em todas as casas (Isaías 58, 7-8). Que não haja entre nós famintos e necessitados, vítimas da injustiça e da iniquidade. Paz e bem.
+Mauro Morelli, bispo católico e peregrino
Indaiatuba, SP, 20/10/13

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