Campanha
Nacional pela produção de alimentos saudáveis
Sandra Marli Rodrigues*
Para o Movimento de Mulheres Camponesas, o Dia
Mundial da Alimentação é um momento para fazermos um amplo diálogo com a
população do campo e da cidade sobre o que está em jogo na sociedade, que é o
modo de produção de alimentos. É preciso, com urgência, avançarmos na
compreensão sobre a importância da produção de alimentos saudáveis, elementar
para a saúde humana - e do planeta como um todo.
É um momento para toda a sociedade pensar sobre
nossos hábitos alimentares e sobre como os alimento são produzidos, processados
e/ou industrializados, bem como conhecer as alternativas que estão sendo
construídas no seio das organizações sociais do campo e da cidade, que se
contrapõem ao agronegócio e à agricultura química.
Com essa compreensão o Movimento de Mulheres
Camponesas (MMC) lançou em 2007 a Campanha Nacional pela Produção de Alimentos
Saudáveis. Com o objetivo de dar visibilidade ao grande potencial de produção
de alimentos da agricultura camponesa, evidenciando o papel das mulheres nesse
processo e sensibilizando a sociedade para a degradação da natureza. Visa
também retomar o cuidado com a vida, além de discutir e implementar experiências
de produção agroecológica de alimentos, nas unidades de produção camponesa, de
geração de renda, comercialização justa e consumo consciente.
A Campanha Nacional pela Produção de Alimentos
Saudáveis se fundamenta em cinco dimensões:
Dimensão política: Construção de pautas com
proposições nas varias áreas das políticas públicas, reivindicando recursos
para a produção ecológica e diversificada de alimentos saudáveis, de
preservação da biodiversidade, da reforma agrária e de soberania alimentar;
Dimensão ambiental: construção do debate sobre a crise de civilização que a humanidade está atravessando e a necessidade de cuidar da vida;
Dimensão ambiental: construção do debate sobre a crise de civilização que a humanidade está atravessando e a necessidade de cuidar da vida;
Dimensão ética, cultural e feminista: construção
de valores e princípios de vida, de solidariedade, de novas relações humanas e
com a natureza, de novas relações de poder que superem todas as formas
autoritárias, patriarcais e discriminatórias, na perspectiva de construir
relações de respeito, solidariedade, igualdade na diferença, relações
democráticas e cidadãs;
Dimensão das mudanças cotidianas: construção
de praticas no cotidiano das mulheres e famílias camponesas como sinal de que é
possível construir um projeto popular de agricultura camponesa, valorizando
quem trabalha, bem como a natureza, e produzindo para o bem da humanidade;
Dimensão econômica e social: construção de
mecanismos, instrumentos de viabilização e potencialização da agricultura
camponesa, com a produção de alimentos saudáveis, cuidado com a vida, com o
ambiente e geração de renda no campo e na cidade. Fortalecimento de redes
solidárias de trabalho e consumo. Valorização do trabalho feminino e ações de
combate a fome e à miséria no campo e na cidade. Fortalecimento da soberania
alimentar e autonomia das mulheres.
Precisamos reagir de forma organizada a toda a ofensiva
do capital sobre a produção e consumo dos alimentos. Lutar pela promoção do
direito humano à alimentação é lutar pela vida!
*Sandra Marli da Rocha Rodrigues é conselheira do
Consea e representa o Movimento das Mulheres Camponesas (MMC).
Dia Mundial da Alimentação:
“Sistemas Alimentares Saudáveis”
Elisangêla
dos Santos Araujo*
Os
números da Organização de Alimentação e Agricultura da ONU (FAO) mostram que o
mundo tem muito que caminhar para acabar com a fome. Portanto, o evento procura
responder se é possível chegar ao dia em que haverá sistemas alimentares
sustentáveis e o que é preciso fazer para alcançar este objetivo. Sabemos que a
fome não só aniquila a vida e as esperanças dos indivíduos, como também
prejudica a paz e a prosperidade das nações exigindo medidas urgentes a serem
tomadas em muitas frentes, não apenas para fornecer alimentos para os famintos,
mas também para eliminar as causas subjacentes da fome no mundo através de
alternativas sustentáveis e permanente.
Ainda,
segundo a FAO, até 2050 serão os pequenos agricultores e os produtos oriundos
da agricultura familiar, quem fornecerão grande parte dos produtos necessários
para alimentar mais de nove bilhões de habitantes no mundo. Para tanto, uma das
medidas necessárias para a obtenção da segurança alimentar e nutricional é
apoiar e investir no trabalho que é desenvolvido pelas cooperativas,
organizações e associações de produtores rurais, de modo que tenham condições
de aumentar a produção de alimentos, comercializar seus produtos, criar
empregos e, a partir daí, possam aumentar a segurança alimentar no mundo e
reduzir a pobreza principalmente no meio rural.
Com
relação ao Brasil, é preciso que seja tomadas mediadas pelos governantes para
acabar com a forma arcaica de exploração da terra que ainda é praticada em
vários estados é preciso pensar uma política mais séria de produção de
alimentos e mais do que isto, um mecanismo que afaste o intermediário e
possibilite a produção segura pelos agricultores/as familiares e assim o
barateamento dos produtos alimentícios. As razões para a situação são os
sistemas insustentáveis de desenvolvimento que degradam o meio ambiente, uma
vez que os sistemas alimentares são constituídos de meio ambiente, pessoas,
instituições e os processos pelos quais os produtos agrícolas são produzidos,
beneficiados, distribuídos e levados ao consumidor.
Nesse
sentido, é necessário a intervenção nos sistemas alimentares por meio de
políticas públicas que realizem as intervenções em gestões de recursos
naturais, educação e saúde pública constituem ações complementares. Nesta linha
a indústria da alimentação deve ser priorizada, modernizada e protegida. Não
significa isto a proteção do dono da terra ou do dono da indústria de
alimentos, mas principalmente do agricultor/a familiar, dos homens que de fato
trabalham na terra e daqueles que se ativam na industrialização de alimentos. O
Brasil não deve ser apenas o exportador de alimentos, mas também aparelhar-se
para sua industrialização.
Nós
trabalhadores/as brasileiros/as, temos que lutar muito contra a fome em várias
frentes porque, na nossa visão, não basta apenas o crescimento econômico:
buscamos a geração de empregos e os aumentos reais de salários, além da melhor
distribuição de renda. Por todos estes motivos, a Federação dos
Trabalhadores/as da Agricultura Familiar (FETRAF), une sua voz às vozes de
todas as organizações de classe dos trabalhadores/as do campo brasileiro em
especial os agricultores/as familiares para saudá-los e proclamar sua fé no futuro
e no combate efetivo da fome que compromete o futuro da humanidade.
É
importante lembrar que temos ainda muitos desafios, entre eles as dificuldades
de acesso dos produtores aos meios de produção de boa qualidade, à assistência
técnica e extensão rural e ao crédito para financiamento da produção, além da
ausência de infraestrutura adequada nas áreas rurais e a falta de meios de
transportes para levar seus produtos aos mercados locais.
Por fim,
é momento de conscientizar a opinião pública quanto às questões globais
relacionadas à nutrição e à alimentação, a data é lembrada como marco na luta
contra a fome, que atinge diversas populações. Foi nesse sentido, que FAO
definiu como este ano, os sistemas sustentáveis, a busca da melhoria da
segurança alimentar e na erradicação da fome.
*Elisangêla
dos Santos Araujo - Conselheira do Consea - FETRAF/Brasil
Alimentando-se
tradicionalmente conforme os ancestrais africanos
Kota
Mulanji *
Sempre
que se disser que cozinhar é sagrado, estamos nos reportando a uma cultura que
não a ocidental, pois a cozinha no mundo europeu foi designada a servos, que
para eles eram seres menores, inferiores . Na tradição de matriz africana a
cozinha é destinada a quem pode , a quem saberá conversar com a parte divina de
cada ser vivo, ou seja com o ar, agua, vegetal, animal racional ou irracional.
Alguém
que possa preparar o alimento com tamanho carinho que quem o receba retribua.
Alguém especial. Especialistas em produzir o Alimento.
Os
grandes chefs como Atala remete ao ciclo do cozinheiro .” Você sai para buscar
o peixe, você mata o peixe- e isso é muito forte. Aí, você limpa, cozinha,
fornece, compartilhar”. Isto é um ritual , e um ritual sagrado. (Gol revista-
março 2013)
Thiago
Castanho diz “ Não é só uma mistura de ingredientes. A história por trás de
cada prato me fascina” (Gol, revista - março 2013). Isto é alimentar na
tradição mesmo que estes chefes não o digam.
Alimentar
acreditando ser um ato sagrado, inclui pensar na história do alimento, na
produção e no destino da alimentação, entender a cadeia alimentar mesmo que doa
matar o animal, mas por isto mesmo agradecer e rezar (Ndanlakata -2013).
Sentar em
circulo e manter o circulo numa hierarquia horizontal. Estar cada um ao lado do
outro, mas recebe primeiro o alimento o que mais contribui em tempo e trabalho
para aquele coletivo e assim sucessivamente. Agindo desta forma ensina-se que
de nada adiantaria os mais jovens vivos sem a sabedoria dos mais velhos. Esta é
a forma mais sútil de ensinar o respeito aos mais velhos. Entender que sem eles
não sobreviveríamos. Exatamente como no avião. Se houver pane primeiro coloque
o oxigênio em você para poder ajudar o outro que precisa.
Enquanto
os mais velhos alimentam-se , eles contam quem contou para eles e como os
ancestrais faziam , daí os mais jovens conhecem estes e os que passaram e podem
apontar mudanças. Ouçam as vozes de algum destes mais velhos. “Os grãos eram
plantados, colhidos, secados, pilados. Assim ainda podemos fazer para grupos
que acreditam numa plantação que não sugue a terra, que não explore os
trabalhadores. Assim pode ser: planto para alimentar ou para sobreviver sem ter
um lucro demasiado”.( Mametu Loabá- SP 2005).
“As
carnes eram armazenadas por pouco tempo no sal quando não tinha refrigerador.
Daí não ter a necessidade de usinas hidroelétricas, no tempo que não tinha luz
elétrica”. ( Ya Vera Soares- RS 2008). “A tradição tem um dia na semana , sexta
feira em alguns lugares no domingo que as pessoas vestem branco e não comem
carne vermelha, não derramam sangue. Aqui se pode trabalhar a necessidade de se
ingerir carne como peixe rica em triptofano”.(Mametu Ndandalakata- SP- 2008).
“A
tradição usa o azeite de dendê. O dendezeiro que é utilizado para cobrir as
casas, como baqueta para bater nos tambores, que tem o óleo. Óleo vegetal sem
gordura trans e com a mesma caloria dos óleos vegetais”. ( Madrinha Iraildes-
SP-2012).
“Que do
dendê se retira a graxa, uma graxa que tem de ser usada em todo maquinário que
trabalha com alimentos”. ( Waldemar- SP 2011).
“Que o
óleo de dendê quando aplicado sobre equipamentos como facas, materiais de
madeira impermeabiliza e protege de micro-organismos”.( Mãe Nalva-RN 2012).
“Que
nossos alimentos são temperados a base de especiarias e tem pouquíssimo sal.
Que a cebola é um potente diurético”. ( Makota Kiasandembu RN 2012).
“Que
usamos pouquíssimo açúcar, na verdade nem precisamos pois o nosso açúcar na
maioria das vezes é a frutose do mel e das frutas que obtinha-se na floresta”.(
Mãe Lucia – RN -2012).
“Que
rezamos muito para nos alimentar e alimentar o outro. Rezamos pelo alimento,
seja ele animal ou vegetal. Rezamos por nós estar vivo, por existir a água, a
terra e o fogo que nos permite estar produzindo e reproduzindo o alimentar.” (
Mona Rikumbi – RN 2012).
“Que
nesta tradição as mulheres plantam, criam e preparam o alimento porque nossa
energia multiplica , reproduz conhecimento através desta prática”.( Mametu
Ndandlakata – 2005- SP).
“O
Alimentar na tradição de matriz africana é estruturante dos nossos princípios,
compõe o que chamamos de oralidade. Que é muito mais que contar histórias é
refazer, e fazer a história com referencia e contra referencia “( Prof. Jayro
RS 2012).
“Quando
matamos a galinha, pedimos desculpa pela necessidade de alimentar o corpo. É
isto que rezamos ao cantar. O sangue quente na terra refresca o corpo “( Mametu
Ndanlakata- 2013 – SP).
“ Os
Povos tradicionais de matriz africana conhecem a boca da terra! É lá que
colocamos tudo que ofertamos a natureza, a terra” ( mãe Nalva- RN- 2012).
“
Tradição africana tem hierarquia, tem funções, tem quem mata, quem reza. Nós
somos detentores de uma assepsia tradicional, onde inclue ervas, o dendê. De
forma que se a pessoa não está preparada e não é reconhecida pela comunidade
não pode produzir ou beneficiar o alimento”.
* Kota
Mulanji - Regina Nogueira, médica pediatra, conselheira do Consea, é
coordenadora nacional do Fonsanpotma - Fórum Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana. Este texto foi
construído no Encontro Nacional do Fonsanpotma – Natal 2012 e as colocações são
resgate de tradição oral de encontros e diálogos.
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