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Artigo: 39 vezes mais!

Selvino Heck*

“Como está desempregado, meu marido vai pegar caranguejo. É uma vida muito dura. Parentes nos ajudam e, ainda assim, a família toda não faz todas as refeições todos os dias”, diz Paula Fernanda de Lima, que vive numa favela de Recife com seu marido desempregado e oito filhos. Ela também está sem trabalho; o sustento da família sai dos R$ 134 do Bolsa Família.

Duas manchetes recentes são ilustrativas dos resultados do Censo/2010 do IBGE sobre a realidade brasileira: “Os mais pobres só ficam com 1,3% da renda – Enquanto os mais ricos abocanham 42,8%” (O Globo, 17.11.11). “Ricos têm renda 39 vezes maior que a dos pobres – Dados mostram que desigualdade social ainda persiste no país, mesmo após incremento dos programas de transferência de renda” (Estado de São Paulo, 17.11.11). 

Como dizem os jornais, na divisão do bolo, os 10% dos domicílios do país com os rendimentos mais elevados são donos de 42,8% do total dos ganhos. Na outra ponta, apenas 1,3% dos ganhos pertence a 10% dos que possuem os menores rendimentos. Na média, o rendimento do topo da pirâmide social brasileira é de R$ 9.051, mais de 3.000% acima da média do rendimento dos mais pobres, que estava em R$ 295 em 2009/2010.

Ou seja, como diz Vandeli Guerra, consultora do IBGE, o nível de concentração dos rendimentos no Brasil é elevado, especialmente quando se observam as diferenças entre as regiões. Mas, sabemos, a distribuição ainda é pior que esta fotografada pelo Censo do IBGE. Os números divulgados envolvem a renda nos domicílios. Aí não estão as grandes fortunas, os investimentos no mercado financeiro, na Bolsa de Valores, o dinheiro depositado no exterior via of-shores e outras formas de esconder no exterior ganhos e lucros. 

Na verdade, ainda é um escândalo, para um país que é a sexta economia mundial, e está prestes a tornar-se a quinta. Houve, é verdade, avanços consideráveis nos últimos anos, a partir dos governos Lula e Dilma. O emprego formal, por exemplo, passou de 54,8% da população em 2000 para 65,2% em 2010, num crescimento superior a 10 pontos em todas as regiões brasileiras. As pesquisas por amostras de domicílio vêm mostrando ano a ano a redução do índice de Gini, que mede a desigualdade.

Os programas e ações do Fome Zero e outras tantas políticas do governo Lula voltados para a agricultura familiar e a economia popular solidária, os avanços nos programas de habitação popular e saneamento, o crédito facilitado para todos,  o aumento real do salário mínimo enfrentaram o problema mais imediato da fome, criaram empregos e melhoraram a renda de brasileiros e brasileiras. Mas há ainda 16,2 milhões de brasileiras e brasileiras cuja renda familiar é de até R$ 70 por pessoa. Por isso, a presidenta Dilma lançou em 2011 o programa Brasil Sem Miséria. Como diz o slogan do governo federal, ‘País rico é País sem Miséria’.  

Mas tudo isso é insuficiente. Sem reformas estruturais, como por exemplo a reforma tributária, o imposto sobre grandes fortunas, que levem a uma distribuição de renda mais acelerada e efetiva, não há como enfrentar o fato de que, nos domicílios, um brasileiro ganhe 39 vezes que outro brasileiro, que alguém possa ter carros importados na garagem, mansões e casa na praia e outro um barraco de poucos metros quadrados, que à primeira chuva é inundado, que ainda poucos tenham acesso ao estudo e à cultura e milhões ainda sejam analfabetos.

Enquanto não se criar uma consciência nacional de que a péssima distribuição de renda é tanto uma questão de justiça quanto uma questão ética, é uma questão de democracia econômica e social e que o desenvolvimento, se quiser ser consolidado, precisa de eqüidade e fazer seus frutos chegar a todas e todos, as coisas não vão mudar na essência e a desigualdade brutal não vai tornar-se justiça social.

O retrato é o do momento. É de um país rico e com miséria. Como o Natal está aí às portas e um novo ano se avizinha, é hora de pensar, refletir e agir.

* Selvino Heck é assessor especial da Secretaria Geral da Presidência da República

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