A presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Maria Emília Pacheco, concedeu entrevista para o jornal do Rio de Janeiro, Brasil de Fato, e falou sobre segurança alimentar e nutricional e dos desafios lançados pelo 7º Encontro Nacional do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), que aconteceu em Porto Alegre, em maio.
Veja abaixo a íntegra da entrevista feita por
Gilka Resende.
Quais são os principais problemas do sistema
alimentar dominante?
Ele está cada vez mais concentrado. Cerca de dez grandes transnacionais
controlam os agrotóxicos, as sementes e os transgênicos. Isso também acontece
no consumo, quando são os supermercados os que dominam o varejo de alimentos.
Ao mesmo tempo em que permanece a fome no mundo, existe um aumento do
sobrepeso. A alimentação está dominada pela lógica privada e o alimento virou
mercadoria, enquanto deveria ser visto, acima de tudo, como um direito humano.
Temos um sistema alimentar em crise.
E a situação do Brasil neste contexto?
Melhoramos os índices gerais de desnutrição e subnutrição, embora eles
permaneçam muito ruins entre as populações indígena e negra. Ao mesmo tempo,
temos visto o crescimento da obesidade. Essa chega junto com a pressão alta,
diabetes e problemas cardíacos. Por isso, esse acesso deve ser a alimentos de
qualidade. A alimentação precisa ser vista como um ato político.
A insegurança alimentar também está em metrópoles
como o Rio. Para que isso mude, o que pode ser feito?
Defendemos uma política nacional de abastecimento alimentar. Para tal, é
preciso ter um sistema mais descentralizado que valorize equipamentos de
alimentação públicos como mercados populares, cozinhas comunitárias, bancos de
alimentos e feiras. Ficamos tristes e protestamos quando prefeituras não
aceitam que espaços públicos tenham uma utilização realmente pública. Isso é
atentar contra o direito de viver em cidades de múltiplas funções, e não só de
espaços industriais e de serviços. Defendemos, ainda, a agricultura urbana e
perirubana (em áreas rurais próximas a centros urbanos). Pensar em um cultivo
para autoconsumo permite aumentar o grau de sociabilidade nos bairros, o que
ajuda a caracterizar uma cidade mais democrática. Ainda mais nas grandes
metrópoles, que têm sido objeto de muita especulação imobiliária. Esses espaços
criativos de produção já são construídos por centenas de grupos no Brasil, mas
precisam virar política pública.
Existe uma cobrança individual em se ter uma
alimentação saudável. O Estado também deve ser responsabilizado?
Isso. É um equívoco pensar que a alimentação é exclusivamente uma escolha
pessoal. Há ambientes sociais e econômicos que influenciam. Por exemplo, nós
somos bombardeados com as publicidades de alimentos, que precisam de regulação,
e isso é papel dos governos.
Você participou do recente encontro do FBSSAN.
Que desafios e ações o tema do evento -“Que alimentos (não) estamos comendo?”-
trouxe?
Muitos. Quando vamos ao supermercado encontramos produtos com uma grande
quantidade de químicos, corantes e acidulantes. Enquanto isso, os alimentos
artesanais são prejudicados por legislações sanitárias que usam parâmetros para
uma produção industrial. Precisamos rever essas normas, que são verdadeiros
instrumentos autoritários. Também é importante falar da agricultura familiar
agroecológica, que é um caminho de resistência. Ele traz o princípio da
diversificação alimentar para romper com a monotonia das dietas. Precisamos
apoiar essas experiências que não usam agrotóxicos, que realizam o manejo
sustentável dos bens da natureza e que resgatam as sementes crioulas (nativas).
É urgente valorizar as diferentes tradições culinárias e ter em conta o valor
cultural da comida, pois corremos o risco de perder a memória alimentar do
país. Assegurar o direito humano à alimentação também implica nisso, em
garantir o direito ao gosto.
Esta entrevista foi veiculada originalmente na
edição impressa nº7 do Brasil de Fato (RJ).
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