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A Extinção do Consea Nacional e seu impacto nos conselhos estaduais e municipais


A conjuntura atual prospecta cenários difíceis em termos políticos, econômicos, sociais e ambientais, o que pode vir a afetar direitos básicos. Em 2018, os representantes dos estados e municípios relatavam que a fome e a pobreza voltaram a afetar as famílias brasileiras; alguns dados preliminares oficiais já apontam para o retorno do Brasil ao Mapa da Fome.

O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), um espaço conquistado pela sociedade brasileira e referência internacional no combate à pobreza e a fome e defensor do direito à alimentação adequada e saudável, foi extinto no primeiro dia de janeiro de 2019, por meio da Medida Provisória nº 870/2019, editada pelo presidente da República.

Um dos pilares do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), o Consea congrega representantes de diferentes setores da sociedade brasileiras que representam distintos temas e territórios. O órgão sempre esteve voltado para as populações mais vulnerabilizadas do ponto de vista econômico, social e nutricional, especialmente os agricultores familiares, os povos indígenas e os povos e comunidades tradicionais, as populações que vivem nas periferias das cidades, com recorte de gênero, etnia e de geração.

Sua atuação na formulação, monitoramento e avaliação também considerou regiões e territórios que foram abrangidos pela Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, especialmente as áreas com os piores indicadores de insegurança alimentar e nutricional, tais como: regiões com famílias de baixa renda; com escassas oportunidades de trabalho; territórios em que ocorre perda de rebanhos; regiões com êxodo rural e fragmentação familiar decorrente dos processos migratórios; locais de queda da produção de alimentos para o autoconsumo e para a comercialização, com o consequente elevação dos preços dos alimentos; áreas sem acesso à água, seja pelos efeitos da seca em regiões do seminário, seja pelas cheias na região amazônica e pela má gestão dos recursos hídricos nas grandes cidades; entre outras situações que violam o Direito Humano à Alimentação Adequada. Estas prioridades contribuíram para que os segmentos mais vulneráveis e historicamente excluídos pudessem ser ouvidos e suas pautas incluídas nas formulações da política e dos planos de segurança alimentar e nutricional.


          Crédito:Sesc/Sp

As deliberações das conferências nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional, são por lei, norteadoras das ações do Consea nacional, que exercia papel fundamental na orientação e articulação federativa e democrática junto aos Conseas estaduais e municipais. Essa atuação conjunta reforça a gestão participativa dos bens públicos, a fim de que haja uma melhor aplicação dos recursos em benefício da qualidade de vida das pessoas. A partir da escuta dos problemas que geram a insegurança alimentar e nutricional e a fome, as prioridades e ações podem ser melhor delimitados e caracterizadas em cada território e por grupos populacionais específicos.

Nos conselhos não há qualquer restrição à representação diversa e ampla da sociedade brasileira, expressa por diferentes crenças, religiões, etnias, posições políticas e ideológicas, convicções filosóficas, agricultores familiares e camponeses, consumidores, moradores das cidades, pessoas em situação de rua, portadores de necessidades alimentares especiais, trabalhadores e pesquisadores em segurança alimentar e nutricional e técnicos de várias áreas estratégicas do governo, entre outros. A presença da pluralidade da sociedade brasileira no Consea sempre foi fundamental para garantir representatividade e legitimidade às suas análises e propostas.

A decisão de extinguir o Consea nacional não tem consequências formais no funcionamento dos Conselhos estaduais e municipais, mas pode gerar um efeito político cascata em governos que não se sentem à vontade com a proximidade do povo. Há ainda uma perda profunda no processo de articulação pois o Consea nacional sempre foi o responsável por orientar os Conselhos estaduais e municipais quanto aos processos de formulação, monitoramento e avaliação das políticas e planos ligados à soberania e à segurança alimentar e nutricional, estabelecendo diretrizes e prioridades para o controle social e promovendo a articulação da sociedade civil com os governos.

A atuação do Consea foi importante na garantia de avanços significativos para  população, como a inclusão da Alimentação como um direito na Constituição Federal; a aprovação da Política e do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA); o aperfeiçoamento da Lei de Alimentação Escolar, ao determinar que pelo menos 30% da compra de alimentos sejam da agricultura familiar; a aprovação da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) e o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo).

O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional também foi protagonista para a consolidação do Programa Um Milhão de Cisternas; o Guia alimentar para a população brasileira e o Plano Intersetorial de Combate ao Sobrepeso e Obesidade. Tudo isso com ações intersetoriais e parcerias com outros órgãos, instituições e segmentos organizados da sociedade que fortaleceu as políticas de inclusão social. Muitos destes programas preveem em seus decretos e leis que os Conseas nacional, estadual e municipal participem do processo de acompanhamento e monitoramento. A extinção do órgão pode gerar mais esta consequência, a paralisação de ações importantes para a vida das pessoas em todo o Brasil.

A conjuntura atual prospecta cenários difíceis em termos políticos, econômicos, sociais e ambientais, o que pode vir a afetar direitos básicos. Em 2018, os representantes dos estados e municípios relatavam que a fome e a pobreza voltaram a afetar as famílias brasileiras; alguns dados preliminares oficiais já apontam para o retorno do Brasil ao Mapa da Fome. Percebe-se a redução da renda das famílias, como consequência das taxas de desemprego e da reforma trabalhista e sua decorrente precarização do trabalho e redução de investimento na agricultura familiar.

Organizações nacionais e internacionais, desde o primeiro dia do ano, têm reagido a esse duro golpe à participação da sociedade, retrocesso inaceitável. Conclamamos também os parlamentares brasileiros, que votaram por unanimidade pela instituição da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, a terem a mesma dignidade e decência para romper com a arbitrariedade que representa a extinção do Consea.

Defender o Consea é reestabelecer a participação social na construção e monitoramento da política e do plano de segurança alimentar e nutricional, a partir da escuta do acontece com a vida de cada cidadão e cidadã brasileira.

*Jean Pierre  é presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional do Rio Grande do Norte e Élido Bonomo  é presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional de Minas Gerais. 


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