Entrevista
Diretor do Joslin Diabetes Center, um dos principais centros de
referência do mundo em diabetes, e professor da Universidade Harvard, Enrique
Caballero quer uma mudança radical: deslocar recursos do tratamento para a
prevenção. "A quantia gasta com hospitais, cirurgias e diálises é
imensa."
Aretha Yarak
"Em todo país se gastam
milhões e milhões de dólares em complicações do diabetes. São gastos em
hospitais, com cirurgias e diálises, por exemplo. Essa quantia gasta com as
complicações é imensa, e vai levar todos os sistemas de saúde pública do mundo
à falência."
O diabetes mata mais do que o câncer e o HIV juntos. Silenciosa,
a doença pode apresentar os primeiros sintomas apenas 15 anos depois de seu
início. Nesse estágio, a condição já apresenta complicações que variam da
disfunção sexual à amputação de uma perna. Dados do Ministério da Saúde apontam
que em apenas 12 anos o número de mortes em função da doença aumentou 38% —
passando de 24,1 mortes por 100.000 habitantes, em 2006, para 28,7 mortes por
100.000 em 2010. A epidemia de diabetes cresce de mãos dadas com o avanço
da obesidade.
De
passagem pelo Brasil para participar do 30º Congresso Brasileiro de
Endocrinologia e Metabologia, que aconteceu em Goiânia entre 7 e 10 de
novembro, o endocrinologista mexicano Enrique Caballero acredita que para
barrar o avanço da doença é preciso que se invista em políticas de
prenveção. Diretor da Iniciativa Latina para o Diabetes do Joslin Diabetes
Center — um dos principais centros mundiais de referência no estudo da doença —
e professor da Universidade de Harvard, Caballero afirma que o avanço da doença
pode levar os sistemas públicos de saúde à falência. "Se gastam milhares e
milhares de dólares com as complicações do diabetes. Claro que o paciente
precisa de tratamento, mas isso não resolve. Para barrar o crescimento da doença,
deve-se investir em prevenção.”
Em
entrevista exclusiva ao site de VEJA, Caballero fala sobre a importância do
diagnóstico precoce e faz o alerta: "Não vá ao médico apenas quando já
estiver se sentindo mal. Mesmo que esteja bem, vá e peça para fazer o exame que
mede os níveis de glicose no sangue. É algo simples e que pode ajudar na
prevenção da doença." Caballero fala ainda sobre a necessidade de um maior
envolvimento social e político nas estratégias de prevenção da doença, na
importância da farmacoeconomia e sobre as perspectivas de cura do
diabetes.
O diabetes tem sido subestimado? Diabetes
mata mais que câncer e HIV juntos. Quando se ouve a palavra câncer ou a palavra
aids, se tem medo. Ao ouvir diabetes, normalmente se pensa apenas em evitar alguns
doces. O diabetes vai matar mais, e as pessoas não sabem disso. Acredito que a
doença não tem sido encarada como uma condição séria, que pode levar a muitas
complicações. O diabetes é a causa número um de cegueira e de falência crônica
dos rins. Ele é ainda uma das principais causas para doenças cardiovasculares e
para amputações não traumáticas. Até mesmo problemas de ereção podem ser uma
consequência da doença. O diabetes pode ser uma doença devastadora. É
importante que as pessoas não esperem se sentir mal para ir ao médico. Vá,
mesmo que esteja tudo aparentemente bem com a sua saúde, e peça um exame de
sangue para medir a glicose. Quanto mais cedo a doença for identificada, mais
chances de controle e de evitar complicações.
Como o senhor vê a situação do diabetes no
Brasil? O Brasil está enfrentando um enorme desafio com o diabetes tipo
2. De acordo com os dados mais recentes da Federação Internacional para o
Diabetes, o país é o quinto em número total de pessoas com diabetes tipo 2. Até
2030, acredita-se que o Brasil vá subir um degrau nessa lista. Mas acredito que
o número de diabéticos calculado está errado. Ele deve se referir apenas às
pessoas diagnosticadas, e existe muita gente que tem a doença e não sabe. E não
sabe porque o diabetes é uma doença silenciosa. Pode levar até 15 anos para que
os primeiros sintomas comecem a aparecer.
Por que o número de diabéticos não para de
crescer? Em primeiro lugar, acredito que há uma predisposição genética
para o desenvolvimento do diabetes tipo 2 no Brasil. Isso acontece na população
latina em geral. O Brasil combina diferentes fatores, do ponto de vista racial:
há combinações de genes indígenas e negros, por exemplo. O que sabemos é que
existe a resistência à insulina, e essa resistência é determinada geneticamente.
Na população brasileira, as células beta [produtoras de insulina no pâncreas]
tendem a ficar mais cansadas de maneira mais fácil, comparando a outras
populações não latinas. Essa combinação de resistência à insulina com uma a
disfunção das células beta está mantendo o diabetes tipo 2 em ascensão.
É possível reverter o crescente aumento no
número de casos da doença? Acredito que sim, mas é preciso
enfatizar a prevenção. Um dos problemas é que queremos trabalhar com adultos,
mas é muito difícil convencer um adulto a mudar um estilo de vida que perdura
por décadas. Precisamos começar mais cedo, com as crianças. Com certeza, essa
não é uma solução simples e rápida. Os governos devem implementar estratégias
para deixar as comunidades mais saudáveis, o que significa ajudar, de fato, as
pessoas a serem mais saudáveis, a se exercitarem mais. Por isso, acho que o
controle do diabetes é um problema social e político, não só uma questão de
saúde.
Os tratamentos mais baratos,
inclusive os distribuídos no Brasil pelo Sistema Único de Saúde, são também
aqueles que mais apresentam efeitos adversos. Vale a pena usá-los? Existe
uma nova maneira de olhar para isso chamada farmacoeconomia. Se você opta por
oferecer o tratamento mais caro, e ele está realmente ajudando o paciente e
provocando poucos efeitos colaterais, então seu custo será mais baixo a longo
prazo. Isso acontece porque se previnem problemas futuros e dispendiosos, como
necessidade de ida ao hospital e internações. Esse raciocínio vem sendo levado
em consideração para decidir se basta olhar apenas para o custo da medicação ou
para uma intervenção com prazo mais extenso. Mas isso é algo relativamente
novo.
No Brasil há uma boa política para o diabetes? Há alguns esforços, mas eles não são suficientes. Em todo país se gastam milhões e milhões de dólares em complicações do diabetes. São gastos em hospitais, com cirurgias e diálises, por exemplo. Essa quantia gasta com as complicações é imensa, e vai levar os sistemas públicos de saúde de todo o mundo à falência. O problema é que não se investe em prevenção. Não há recursos para educar famílias e investir em programas de intervenção na comunidade. O benefício, claro, não será visto imediatamente, mas é o certo a se fazer: deslocar parte do dinheiro gasto nas complicações tardias da doença para a prevenção. É algo radical, mas é o que precisa ser feito.
No Brasil há uma boa política para o diabetes? Há alguns esforços, mas eles não são suficientes. Em todo país se gastam milhões e milhões de dólares em complicações do diabetes. São gastos em hospitais, com cirurgias e diálises, por exemplo. Essa quantia gasta com as complicações é imensa, e vai levar os sistemas públicos de saúde de todo o mundo à falência. O problema é que não se investe em prevenção. Não há recursos para educar famílias e investir em programas de intervenção na comunidade. O benefício, claro, não será visto imediatamente, mas é o certo a se fazer: deslocar parte do dinheiro gasto nas complicações tardias da doença para a prevenção. É algo radical, mas é o que precisa ser feito.
Estamos perto da cura? Um dos
principais objetivos do Joslin Diabetes Center é encontrar a cura. Mas ainda
não estamos lá. Tanto para o diabetes tipo 1 como para o 2, o principal
problema é que as células do pâncreas se cansam, elas não trabalham muito bem.
A cura para o diabetes seria encontrar uma maneira que faça com que as células
do pâncreas não se cansem, ou que se seja capaz de produzir novas células. O
que se pode fazer são transplantes de ilhotas [conjunto de células unidas em
formato de uma esfera] para o pâncreas. Uma outra abordagem que vem sendo
estudada é o uso de células-tronco, que são induzidas a se transformarem em
novas células produtoras de insulina no pâncreas.
Algumas dessas técnicas já têm
resultados animadores? Podemos curar o diabetes em
animais com o transplante de ilhotas, porque o sistema imunológico deles não é
tão sofisticado quanto o do homem. Assim, eles não destroem as novas células
transplantadas. Em humanos, no entanto, essa técnica causa uma cura apenas
temporária, de uns 18 meses, mas depois disso as novas células são eliminadas
pelo sistema de defesa. Atualmente, os estudos caminham para a inserção dessas
células em microcápsulas, que evitariam a rejeição pelo corpo. Ainda não
obtivemos sucesso nisso. Em relação às células-tronco, a gente já consegue
fazer com que elas se transformem nas células beta do pâncreas, que são as
produtoras de insulina. Elas já têm uma estrutura perfeita, mas ainda não
conseguimos fazer com que produzam insulina em resposta à chegada de glicose.
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